RIO e SÃO PAULO — Antigos “patinhos feios” do mercado financeiro, os agentes autônomos de investimentos aproveitam a cobiça que despertam no Brasil dos juros baixos para assumir um protagonismo inédito.
Com carteiras multibilionárias que não param de crescer, as maiores assessorias se transformaram em “cisnes” e aproveitam a guerra entre a XP Investimentos e o banco BTG Pactual para se tornarem corretoras.
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BTG e XP duelam pela fidelidade dos agentes desde o ano passado, quando o banco de André Esteves passou a desafiar a liderança da corretora de Guilherme Benchimol, que tem quase 80% do mercado com cerca de 9 mil credenciados.
Para ampliar seu atual contingente de 1,6 mil assessores, o BTG faz uma forte ofensiva sobre os escritórios plugados à rival. Valorizadas, as maiores assessorias usam o cabo de guerra para negociar vantagens como uma sociedade capaz de dar um empurrãozinho na transição para o modelo de corretora, numa estratégia similar à história da própria XP.
Nas últimas semanas, o plano de virar corretora protagonizou nova debandada de escritórios da XP rumo ao BTG, reacendendo um leilão que envolve lances milionários e até troca pública de acusações.
O escritório de agentes Acqua-Vero, que tinha quase R$ 8,5 bilhões em custódia, decidiu mudar de casa com a promessa de tirar do papel à frente uma corretora na qual o BTG terá cerca de metade do negócio.
A XP cobrou multa de R$ 134,8 milhões, acusando a assessoria de rasgar o contrato e “sugar” dados da operação indevidamente.
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O Acqua-Vero reagiu desligando-se imediatamente por “justa causa”, sem cumprir os 60 dias de aviso prévio, e alegou que a XP bloqueou seu acesso aos sistemas. O catarinense Wise fez o mesmo na semana passada enquanto migrava para o BTG.
Captação de clientes
A XP contra-atacou. Estreitou os laços com o escritório gaúcho Messem oferecendo uma sociedade numa futura corretora que terá com os agentes autônomos no controle com 50,1%. E ainda conseguiu, na quarta-feira, fazer a Monte Bravo Investimentos (R$ 18 bilhões na carteira) deixar as negociações com o BTG com uma proposta similar.
O novo capítulo da disputa entre XP e BTG evidencia a centralidade ocupada pelos assessores na captação de recursos das grandes plataformas de investimentos.
O autônomo que no passado era conhecido como “pastinha”, circulando entre investidores para comprar e vender ações em nome deles, é hoje um profissional muito diferente com a sofisticação do mercado de capitas e o surgimento de plataformas com aplicações financeiras mais complexas. Ele é um distribuidor desses produtos.
Em seu último balanço, a XP afirmou que os agentes foram a principal origem dos R$ 252 bilhões em novos investimentos feitos pelos clientes nos últimos 12 meses. Para o BTG, as assessorias assumem o papel das agências que nunca teve.
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Ao mesmo tempo, reduzem a dependência das prateleiras dos bancões, que cobram caro para listar fundos de terceiros.
Em menos de um ano, a carteira da carioca Faros dobrou para R$ 20 bilhões. O escritório é o maior da XP em volume de recursos.
Nascida há dez anos numa baia de quatro lugares em uma pequena corretora do Rio, a empresa ocupa hoje um andar de 800 metros quadrados na Avenida Atlântica, de frente para o mar de Copacabana, tem filiais em São Paulo e Belo Horizonte e o ator Murilo Benício como garoto-propaganda.
Segundo Samy Botsman, um dos co-fundadores, a meta da assessoria é fechar o ano com R$ 30 bilhões em custódia, pavimentando o caminho para um IPO (oferta inicial de ações) nos próximos anos.
A Faros acaba de contratar a assessoria americana Lazard para estruturar um projeto que a transformará em corretora “light”, que opera pelo modelo de conta e ordem, como intermediária de uma corretora maior.
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— A transformação em corretora traz vantagens tributárias, permite que a gente atraia um sócio-investidor, o que é vedado aos escritórios de agentes autônomos pela legislação hoje, e nos dá mais liberdade para oferecer produtos e serviços — explica Botsman, cuja empresa foca em clientes dos segmentos private (com patrimônio a partir de R$ 5 milhões) e ultra high (acima de R$ 30 milhões).
Vantagens de subir degrau
O desejo de virar corretora entre os grandes escritórios não é repentino e tem tudo a ver com o crescimento acelerado do segmento.
As maiores assessorias devem ultrapassar este ano o limite de R$ 78 milhões em receitas, teto do modelo de tributação por “lucro presumido” — a Blue3 (ex-BlueTrade), por exemplo, que tem R$ 10 bilhões na XP, prevê encerrar o ano com R$ 130 milhões em receitas por seus serviços.
As empresas passarão, então, a pagar impostos com base no “lucro real”, modelo que traz aumento de alíquota e impede que o pagamento aos assessores — que são todos sócios — seja tratado como custo. Isso achataria as margens do negócio. A solução é se transformar em corretora, com cada sucursal operando como um escritório de agente autônomo plugado a ela.
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A primeira assessoria a dar esse passo foi a EQI, que deixou a XP de maneira litigiosa em 2020 e espera, enfim, abrir sua corretora em setembro. Tem cerca de R$ 8 bilhões em carteira.
— Nosso crescimento está encorajando outros players a tomar a mesma decisão. Quando fechamos com o BTG, fomos avaliados em R$ 420 milhões. A gente acredita que uma corretora com nosso tamanho hoje valha algo entre R$ 2 bilhões e R$ 3 bilhões — afirma Juliano Custodio, sócio e CEO da EQI.
Ele continua:
— Quando você é agente autônomo, você não é um equity (valor). Você é um preposto. Mas a gente está construindo valor e quer deixá-lo para nossas famílias. E só virando corretora conseguimos consolidar isso.
‘Sonho grande’
Quarta maior assessoria ligada à XP em volume de ativos, a Blue3 também está pedindo licença de corretora no Banco Central. Com R$ 10 bilhões em carteira hoje, seu plano é chegar a mais de R$ 60 bilhões até 2023 e fazer IPO.
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— O modelo de agente nos trouxe até aqui, mas essa roupa não cabe mais na gente. Já somos uma das maiores casas de investimento do país. Recentemente, a Rumo fez uma emissão de R$ 1 bilhão em debêntures, e só o nosso escritório respondeu por R$ 140 milhões — diz Wagner Vieira, sócio-fundador da Blue3.
Ele acrescenta:
— A verdade é que a XP já entendeu que não tem jeito mais. O Guilherme (Benchimol) vendeu tão bem o tal “sonho grande” que todo mundo topou.
A XP não vê problema em ter outras corretoras em sua base, se “for bom para os escritórios, para o cliente e para a gente”, diz Bruno Ballista, chefe de Relacionamento com clientes da plataforma.
— Estamos abertos a discutir o modelo. Quanto à concorrência, quando você tem uma fatia tão grande do mercado, é natural e esperado que novos entrantes tentem “acessar” nosso parceiros. Mas começamos esse modelo e temos a confiança dos parceiros — acrescenta o executivo da XP.
Procurado, o BTG não quis dar entrevista.
Já são mais de 14 mil
Tudo isso se dá enquanto o número de agentes credenciados cresce de forma acelerada. Em abril, eram 14.440 certificados, segundo a Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras (Ancord), 50% mais que em dezembro de 2019.
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A cada mês, ao menos mil pessoas tentam entrar na profissão, mas só 40% passam na prova para a certificação. A maioria vem das fileiras dos bancos tradicionais em busca de melhor remuneração. Estima-se que o lucro anual de um escritório fique entre 0,5% e 1,5% do tamanho de sua carteira
O escritório 360invest, em São Paulo, que reúne 15 agentes autônomos, trocou a XP pelo Safra Invest há quase dois meses e já tem mais de R$ 1 bilhão sob administração. A fundadora Alessandra Boiani, com 23 anos de mercado financeiro, tirou sua certificação como agente autônoma em 2012.
— O cliente hoje tem muito mais informação sobre o mercado financeiro do que antigamente. Por isso, precisamos estar atualizados o tempo todo — diz ela.
Em novo capítulo da guerra entre XP e BTG, agentes autônomos são cobiçados e se tornam corretoras - O Globo
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