RIO — Sucesso nos anos 1990, os canais de TV exclusivos para vendas ganharam uma nova roupagem na pandemia e foram parar dentro dos celulares. Com o apelo de compras por impulso e a humanização do e-commerce, o livestream shopping se consolida no Brasil, atraindo investimento de marcas que abraçam o formato de aproximação com clientes no digital.
O modelo é um fenômeno na China, onde surgiu, com status de superprodução e movimenta bilhões. Por aqui, esta opção ao varejo que mistura vendas e entretenimento ao vivo já está no calendário de marcas como Renner, Americanas, Riachuelo, Arezzo, Hope, entre outras.
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Também chamada de live shopping ou live commerce, a proposta é muito parecida com o formato que ficou marcado por Walter Mercado e seu bordão “ligue djá”, convidando as clientes a telefonarem para comprar. Agora, a ligação virou um clique.
A estrutura está mais enxuta. No lugar de um estúdio e equipes de áudio e vídeos, apenas um celular com tripé e iluminação, e talvez mais duas ou três pessoas para ajudar a organizar os produtos e responder em tempo real.
A essência, porém, é a mesma. Recorre aos gatilhos usados nos anos 1990 para incentivar a compra, como oferecer descontos ou produtos exclusivos aos participantes, entregas grátis e brindes.
Segundo as empresas, a compra em tempo real quebra a barreira da imagem estática de uma peça no site da empresa e minimiza a desconfiança em compras on-line. Nas lives, os clientes podem ver todos os ângulos, olhar de perto, visualizar como fica em modelos com corpos diferentes e ainda tirar dúvidas na hora.
— A live commerce é uma opção para a venda instantânea porque traz a sensação de urgência. O termo ‘é só agora’ gera uma angústia e na pandemia as pessoas estão mais vulneráveis. Elas economizaram, estão em casa e pensam ‘já que estou nesta situação horrível, mereço’. A compra por impulso, nesse caso, alia hedonismo, urgência e autoindulgência— diz Rafael Nascimento, professor de Marketing da ESPM e diretor da Explore.
Cem lives por dia
As taxas de conversão em vendas em uma hora de live chegam a ser sete vezes as do site ou até mesmo o equivalente a um dia de vendas na loja física.
A plataforma digital B2W — detentora das marcas Americanas, Submarino, Shoptime e Sou Barato — firmou em maio uma parceria com a chinesa OOOOO, plataforma especializada neste novo formato do varejo, para escalonar lives. A B2W já fez cem e quer que este seja o número de lives por dia.
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Além da bagagem da OOOOO, o objetivo do acordo é lançar um aplicativo para vendas nas redes sociais que vai conectar empresas, criadores de conteúdo e compradores, especialmente os mais jovens, através de vídeos interativos. O acordo prevê a formação de uma joint-venture (parceria) entre elas para desenvolvimento das operações no país.
— Eles conhecem a tecnologia da China, que é referência nestas lives, e têm mecanismos de gamificação que podem ajudar a engajar o público. Para nós, é uma oportunidade de unir entretenimento com compra em um único lugar — diz Leonardo Rocha, diretor de Marketing da B2W.
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Lançada em 2020, a start-up brasileira Mimo nasceu quando a publicitária Monique Lima viu o potencial deste nicho. Ela saiu do emprego em uma agência e buscou duas sócias na área de tecnologia, Etienne Du Jardin e Angelica Vasconcelos. A empresa atraiu investidores de peso e tem mais de 400 clientes.
Elas oferecem consultoria e suporte operacional para lives e acesso a uma plataforma para que a cliente possa comprar durante o ao vivo, sistema que muitas lojas não têm.
A Mimo recebe de 10% a 20% de comissão do que é vendido na live, e a conversão média geral de vendas é em torno de 10%. Dependendo do segmento, como bebidas e moda, pode chegar a 15%, segundo Monique.
— O diferencial é tirar as dúvidas ao vivo. O e-commerce é mais solitário. Na live, a pessoa pergunta, o apresentador responde na hora, chamando o cliente pelo nome, e a venda é convertida na hora.
Um de seus clientes é a Lofty Style, que tem 16 lojas físicas em São Paulo.
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— Com a pandemia e o fechamento das unidades, tudo virou estoque, então investimos pesado no digital. Fotografamos as peças, contratamos consultoria digital para treinar a equipe, abrimos conta na rede social de cada loja e criamos conteúdo — diz a sócia, Camila Ortiz.
Em agosto, a Lofty fez o primeiro desfile pela internet. Para Camila, o ideal é ter duas pessoas apresentando para não ficar monótono, uma para repassar perguntas que entram ao vivo e duas para organizar as roupas nos bastidores.
Entretenimento é a receita
Já para as grandes redes, o entretenimento é a cereja do bolo. Na China, a Alibaba, gigante do e-commerce faz espetáculos em datas como o Dia dos Solteiros. No Brasil, cada empresa tem sua estratégia.
A da Riachuelo é a regionalização. A marca entrou no universo de live shopping ano passado com apresentações de gancho em datas comemorativas, com a do Dia dos Pais de 2020, com o cantor Mumuzinho e o apresentador Otaviano Costa, e das cantoras Simone e Simaria.
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Em abril, passaram a dar dicas de looks e, agora, as lives serão a partir das lojas. Já fizeram dois testes: uma na Casa Riachuelo do shopping Eldorado, em São Paulo, e outra numa loja em Juazeiro do Norte, no Ceará.
— Cada unidade conhece o perfil do público e oferece o que ele precisa. A equipe da loja faz a live com as peças do estoque local — explica Elio Silva, diretor executivo de Canais e Marketing da Riachuelo.
Já na Renner, que também se inspirou na tendência chinesa e foi uma das pioneiras no país, a estratégia é inserir conteúdo nas apresentações.
— Temos trabalhado com conteúdo relevante e algum entretenimento e buscamos sempre apresentadores que estejam alinhados à marca, seja um influenciador ou uma atriz ou outro convidado — conta a diretora de Marketing Corporativo, Maria Cristina Merçon.
A executiva diz que um desafio é treinar a equipe à distância. Do time de marketing e vendas nos bastidores aos convidados para apresentar a live, todos estão em casa.
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— Também precisamos do suporte da tecnologia para garantir que a live não vai cair ou ter falhas e de uma equipe para mandar os looks para a casa de quem apresenta. É tudo novo, vamos adaptando. Começamos com ao vivos mais longos e hoje eles duram, em média, 40 minutos.
Outra ramificação são os desfiles. Na China, a Xangai Fashion Week, foi totalmente digital ano passado. Neste ano, com a pandemia sob controle (lá), o modelo adotado foi o híbrido.
— O desfile de coleção é geralmente para convidados, mas tivemos que ressignificar. Pela live, este momento é democratizado — avalia a executiva da Renner, que já realizou dois lançamentos com desfile.
A Arezzo embarcou na ideia da vitrine ao vivo e dos desfiles. Em março, lançou a nova coleção da linha Nina em uma live, um dia antes da data oficial, e planeja a divulgação via internet da coleção Arezzo 2022 depois do lançamento físico.
As vendas de uma live chegam a representar o volume de um dia comercial de grande relevância, como Natal e Dia das Mães, em uma loja da Arezzo.
Para dar conta de mais de cem lives até agora, a diretora da Arezzo, Luciana Wodzik, explica que foram feitos treinamentos com os times de marketing e comercial:
— Em março, com o fechamento parcial do comércio, liberamos e capacitamos as lojas para fazerem suas lives via Instagram e abrimos nova e importante frente de vendas.
A marca de roupas íntimas Hope fez, em setembro, um festival de lives para novas coleções. A apresentação teve a presença de famosos, como Carolina Ferraz, Rafa Brites, Lelê e show da Anitta.
Já a Hope Fashion Week, no início do ano, lançou novos produtos, mas com um foco mais comercial e unindo os canais on-line ao off-line, com cashback e descontos nas próximas compras.
A diretora de Estilo e Marketing da Hope, Sandra Chayo, atribui o êxito do varejo ao vivo à capilaridade, que supera a de um evento presencial. Segundo Sandra, na Hope Fashion Week, o crescimento foi de 65% nas vendas de produtos e coleções em comparação com a edição em setembro.
'Clique djá' para comprar: varejistas aderem ao live shopping na internet - O Globo
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