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Sunday, September 5, 2021

Alta prolongada nos preços de itens básicos contamina setores, e inflação vira entrave para o PIB em 2022 - O Globo

SÃO PAULO E RIO - Os principais índices mostram que a inflação se aproxima da casa dos 10% em termos anuais, mas o motorista de aplicativo Paulo Maurício de Santana, de 37 anos, tem outra medida: a jornada cada vez maior ao volante para pagar as contas e levar comida para a mulher, Paola, e gêmeos de dez meses no Catumbi, na Zona Norte do Rio. Atualmente, ele dirige dez horas diárias.

A renda de nove dias do mês, R$ 2 mil, vai só para o aluguel do carro e o combustível. O que ganha no resto do mês mal dá para os boletos. O de luz saltou este ano de cerca de R$ 120 para R$ 160, mesmo com a família economizando, ele diz. Na mesa, a saída foi trocar alimentos em alta por mais baratos. Carne virou luxo.

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— A gente come muito mais frango agora. Só entra um quilo de carne em casa por mês, geralmente acém, que é mais barato — conta o ex-taxista, que viu a poupança minguar na pandemia, vendeu o carro próprio para pagar dívidas e adiou o sonho de dar entrada na casa própria. — O GNV (combustível do carro) subiu muito, mas a tarifa do aplicativo baixou. Em corridas em que tirava R$ 20, agora são R$ 15.

A prolongada desvalorização do real frente ao dólar e a alta de alimentos, matérias-primas, combustíveis, energia elétrica e outros itens básicos, provocam um efeito cascata na economia e aumentam o desconforto dos consumidores.

Agosto foi mês severo para o regime hidrológico do Sistema Interligado Nacional (SIN) Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
Agosto foi mês severo para o regime hidrológico do Sistema Interligado Nacional (SIN) Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

 Essa disseminação da alta dos preços em um cenário de desemprego alto e renda contraída fazem da inflação uma ameaça ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022. Economistas já falam em estagflação, a perversa combinação de estagnação com pressão inflacionária, no ano eleitoral.

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Logo após a divulgação, na semana passada, do desempenho do PIB no segundo trimestre, com retração de 0,1%, bancos, economistas e consultorias intensificaram o movimento de redução de suas estimativas de crescimento para 2022. Enquanto o governo fala em expansão de 2,5%, analistas revisam para menos de 2% as previsões para o ano que vem.

Perda de renda real

O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, avalia que a alta de inflação traz perda de renda real, o que afeta o consumo. E os sinais de uma economia em risco tendem a afetar os investimentos, diz:

— A conjunção de crise hídrica com forte elevação dos juros causa sensação de estagflação iminente. Nossa expectativa de alta de 1,4% no PIB de 2022 deve ser revisada para baixo nos próximos meses.

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Para Simão Silber, presidente do Conselho Curador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), da USP, a situação pode ficar ainda pior, com recessão em 2022. O risco, adverte, é a remarcação de preços virar uma bola de neve:

— Num país com histórico de indexação, foi um erro deixar a inflação chegar tão longe.

Preços Foto: Arte O GLOBO
Preços Foto: Arte O GLOBO

A inflação ganhou tração agora, com o IPCA acumulando alta de 8,59% em 12 meses, mas a desvalorização do real vem pressionando preços desde o início do governo Bolsonaro. O dólar começou 2019 em R$ 3,85 e, após se aproximar dos R$ 6, está atualmente na casa dos R$ 5,20. Só em 2020, o dólar subiu quase 30%, maior alta desde 2015.

Dólar reflete riscos

Investidores repercutem dados de emprego nos Estados Unidos mais fracos que o esperado. Foto: OZAN KOSE / AFP
Investidores repercutem dados de emprego nos Estados Unidos mais fracos que o esperado. Foto: OZAN KOSE / AFP

O câmbio sofre influência dos riscos fiscais e políticos do país e afeta vários preços. Desde janeiro de 2019, o IPCA já subiu 13,8%, segundo levantamento da MB. O Índice de Preços ao Consumidor (IPC), calculado pela Fipe e que mede a inflação para as famílias com renda entre um e dez salários mínimos na capital paulista, acumula alta de 16,95% no mesmo período.

O fator cambial deve afetar a inflação por mais tempo, diz o economista Sérgio Kannebley Júnior, professor da USP de Ribeirão Preto (SP). A estimativa é que, entre janeiro de 2020 e dezembro deste ano, o câmbio tenha deixado um impacto no Índice de Preços no Atacado (IPA) entre 2,14 a 2,94 pontos percentuais. No IPCA, o impacto em dois anos chega a 1,7 ponto percentual.

— O choque no câmbio atinge primeiro a importação e se reflete nos índices de inflação no atacado. À medida que passa o tempo, chega aos preços ao consumidor — diz Kannebley, lembrando que os gastos do governo influenciam. — A inflação de 2021 já era. O problema agora é 2022. O risco é a estagflação. É difícil acreditar em austeridade em ano de eleição. O mais provável é que essa conta vá cair na mão do próximo governo, seja ele qual for.

Alimentos mais caros

Supermercado Foto: Pixabay
Supermercado Foto: Pixabay

O câmbio turbina o efeito da alta de itens cotados no mercado internacional, como os grãos. Só em 2020, o preço do milho subiu 100%. Nos supermercados, os preços de frango e suínos subiram 30% e 20%, respectivamente. Segundo cálculo da Embrapa, o custo de produção desses itens subiu 50% nos últimos 12 meses, contaminados pela alta do milho e do farelo de soja, que alimentam os animais.

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— Nem todo o aumento de custos foi reposto ainda. Temos a safra de milho e soja do fim do ano, mas o abastecimento só ficará regular na segunda safra do ano que vem — avisa Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).

Nas commodities metálicas, o minério de ferro puxou a alta do aço, insumo de construção civil, montadoras e fábricas de eletrodomésticos. Também dispararam alumínio e cobre. Soma-se a isso o preço do barril do petróleo. O do tipo Brent saiu de US$ 63 em 2019 para US$ 72, o que turbinou o preço dos combustíveis.

Alta de custos pressiona indústria, que vê repasses 

Fábrica da Nissan em Resende terá a produção paralisada a partir desta sexta-feira Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo (13/07/2017)
Fábrica da Nissan em Resende terá a produção paralisada a partir desta sexta-feira Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo (13/07/2017)

A petroquímica reajustou em quase 100% o eteno, que está em embalagens plásticas, fibras sintéticas, produtos de beleza e material hospitalar. Isso depois que o nafta, derivado do petróleo que é matéria-prima do setor, saltou de US$ 200 no início de 2020 para US$ 670 em julho de 2021.

— Provavelmente encerraremos o ano com recuo na margem de lucro. Por mais que as empresas reajustem seus preços, não conseguem repassar tudo — diz Fátima Ferreira, economista da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim).

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A fabricante de calçados Boa Onda, do Rio Grande do Sul, teve no poliuretano, matéria-prima de palmilhas, seu principal vilão, mas não o único. O produto petroquímico subiu 80% desde 2019, mas a eletricidade também pressiona custos, diz Cássio Romani, gestor de marcas da empresa.

A Boa Onda passou a reciclar rejeitos e aderiu ao mercado livre de energia para reduzir em 25% a conta. O encarecimento das embalagens de papel e do transporte, ele não conseguiu amenizar. Com isso, o preço da sandália babuche, um dos carros-chefes da marca, subiu 24% para o lojista e 30% para o consumidor.

— A inflação é nociva, perversa. Conseguimos contornar de algumas maneiras, mas o consumidor hoje paga mais para ter o produto nos pés — diz Romani.

As empresas fazem malabarismos para evitar o repasse para os consumidores porque, diferentemente da inflação provocada por alta demanda, a atual está ligada aos custos de produtos e serviços em meio à crise no mercado de trabalho.

Guilherme Moreira, da Fipe, vê ainda uma inflação represada, pois vários aumentos foram postergados na pandemia esperando a recuperação da economia em 2022:

— Quando o consumo volta, os aumentos são repassados.

Ele lembra que a alta do consumo lá fora também influencia os preços aqui, porque estimula exportações e reduz a oferta no país:

— O brasileiro disputa carne com europeu e chinês.

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