RIO - A conta de luz dos brasileiros vem subindo desde maio, em função da falta de chuvas no país, que tem como principal matriz energética as usinas hidrelétricas. Com isso, o mercado de energia solar, que vem crescendo ano a ano, ganhou ainda mais tração no primeiro semestre de 2021, impulsionado também por uma maior oferta de financiamentos específicos para esse tipo de investimento.
Crise hídrica:consumidores e empresas apelam para um plano B
A professora Elisabete Dino, de 54 anos, está entre os consumidores que aderiram à geração distribuída este ano. Em julho, ao perceber que a conta de luz não parava de subir, ela decidiu contratar um financiamento para instalar painéis solares na sua casa e na de seus dois filhos, em Pernambuco.
Como as três residências ficam no mesmo terreno, eles dividiram o valor do kit fotovoltaico, e a prestação ficou em R$ 1.181 por 60 meses.
— As parcelas que vamos pagar têm mais ou menos o mesmo valor que pagávamos de conta de luz todo mês, com a vantagem de que, se a tarifa subir, nosso gasto mensal continua o mesmo, e depois de cinco anos ficaremos pagando apenas a tarifa mínima da concessionária, que aqui é de R$ 22 — conta.
Crise hídrica: ministro de Minas e Energia diz que problema não acaba este ano
Além disso, o banco ofereceu a Elisabete uma carência de quatro meses até o pagamento da primeira parcela, uma prática que é de praxe nesse mercado. O objetivo é que o consumidor tenha tempo de instalar os painéis e fazer a homologação junto à distribuidora para começar a usufruir da economia de energia antes que o financiamento comece a ser pago.
Em junho, o país atingiu a marca de 532 mil unidades consumidoras com geração distribuída, um crescimento de 40% em relação a dezembro de 2020, segundo um estudo divulgado em agosto pela consultoria Greener. A classe residencial se destaca, com 50% do volume adicionado no primeiro semestre. Em 2019 e 2020, esses consumidores correspondiam a 39% do total.
Ainda de acordo com o levantamento, o financiamento bancário já está presente em 54% das vendas de sistemas fotovoltaicos.
A procura é tanta que, no interior do Ceará, um caminhão da empresa MF Energy circula há três semanas pelas ruas vendendo painéis solares e, de quebra, com financiamento pelo Santander. O crédito é liberado na mesma hora e o kit fotovoltaico é instalado na casa do cliente no mesmo dia.
Não é só falta de chuva: Entenda como o Brasil está, de novo, à beira de um racionamento
— O caminhão roda pela cidade como se estivesse vendendo pamonha de Piracicaba — brinca Fabio Mascarin, superintendente da Santander Financiamentos, que disse ter ficado “positivamente surpreso” com a popularidade que a energia solar tem ganhado Brasil a fora.
O aumento das tarifas da bandeira vermelha pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) foi o que motivou Paulo Melo de Pinho Filho, dono da MF Energy, a apostar na ideia dos caminhões de painéis solares, que já circularam nas cidades cearenses de Sobral, Trairí e Tianguá e nos próximos dias visitarão outras regiões do estado.
Nas três semanas de operação dos caminhões, já foram fechados 84 contratos, quase o dobro das vendas no modo tradicional.
— Desde o ano passado eu vinha pensando em como popularizar essa história de energia fotovoltaica. Até então, no interior do país, as pessoas achavam que era só para quem tinha um poder aquisitivo maior. E tinham muita desconfiança de pagar primeiro para depois receber. Então eu decidi instalar no ato da compra. No caminhão, vai a equipe comercial, o engenheiro e o representante do banco para fazer o financiamento — conta.
O Banco BV lidera o segmento de crédito para instalação de kits fotovoltaicos. Em agosto, a instituição assinou acordo com a holding Portal Solar para assumir 100% do controle da plataforma online de crédito Meu Financiamento Solar, mantido até então pelas duas empresas desde setembro do ano passado.
Crise hídrica: Desconto na conta de luz beneficiará quem reduzir entre 10% e 20% do consumo
A fintech registrou crescimento de 149% nas contratações no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período de 2020. Desde o início de 2021 são operacionalizados cerca de 3 mil contratos por mês.
— Em grande parte das operações fechadas a parcela mensal do financiamento fica abaixo da conta de luz do cliente durante a vigência do contrato, e depois do vencimento a economia mensal chega a 95% da conta de luz.
Neste período de crise hídrica existe uma pressão ainda maior nos valores, com mais vantagem para o consumidor — afirma Flavio Suchek, diretor de Novos Negócios e Empréstimos do Banco BV.
Já o Santander, que aparece em segundo lugar no ranking, informou que já financiou no primeiro semestre de 2021 mais do que em todo o ano de 2020. O banco cobra juros a partir de 0,74% ao mês para a modalidade, com pagamento até 96 meses e carência de até 120 dias para o primeiro pagamento.
— A gente tem experimentado crescimento de cerca de 80% nas contratações dessa linha de crédito em relação ao primeiro semestre do ano passado, com destaque para o Nordeste, onde o crescimento já fica em 100% a 120% no ano contra ano — comenta o superintendente Fabio Mascarin.
Crise hídrica:operadoras de saneamento buscam água em pequenos açudes e fontes alternativas de energia
O Bradesco oferece desde 2016 a modalidade CDC Energia Fotovoltaica, que apresentou um crescimento de 104% na quantidade de contratos entre o primeiro semestre deste ano e o mesmo período de 2020.
Para pessoas físicas, as taxas de juros são a partir de 1,5% ao mês. O prazo de pagamento é de até 60 meses.
O Sicredi, que oferece a linha de crédito desde 2015, registrou crescimento de 131% no número de contratos na comparação do primeiro semestre deste ano com o do ano passado.
As taxas de juros estão em torno de 1% ao mês, podendo variar de acordo com a região e relacionamento do associado com a cooperativa. O prazo para pagamento é de até 120 meses.
Elena Landau:'Sensação é que não há ninguém no leme, o país está meio à deriva’, diz economista
Já o Banco do Brasil lançou em 10 de maio de 2021 sua linha de crédito específica para aquisição de sistemas de geração de energia solar em residências. Os juros são a partir de 0,75% ao mês, com parcelamento em até 60 meses e até 180 dias para pagamento da primeira parcela.
No entanto, alguns instaladores de painéis solares alegam que o acesso aos financiamentos não é tão simples. Isso porque, na maioria dos casos, a aquisição dos materiais e a montagem do projeto devem ocorrer em fornecedores que tenham convênio firmado com os bancos.
— Se o cliente buscar o banco por conta própria para contratar o empréstimo e quiser contratar uma empresa que não seja parceira da instituição, dificilmente conseguirá o crédito. Nesses casos, as instituições exigem relacionamento bancário, cobram taxas exorbitantes e ainda tentam vender outros serviços, como seguros — afirma Paulo Munck, sócio da FOR Energia e diretor da Firjan Centro-Sul.
Sudá de Andrade Neto, especialista em Energia e Sustentabilidade da Firjan Senai, diz que tem havido uma procura cada vez maior pela instalação de painéis solares tanto por parte de consumidores residenciais, quanto empresas, já que o sistema protege o consumidor da inflação gerada pela crise hídrica. Isso porque a tarifa adicional é cobrada a cada 100 quilowatt-hora consumidos.
Passo a passo:Como instalar energia solar em casas e condomínios
Na geração distribuída, os consumidores injetam na rede da distribuidora a energia gerada pelos painéis, e pagam apenas a diferença do que foi consumido, que normalmente fica abaixo de 100 kwh. Ou seja, eles não seriam impactados pelas bandeiras tarifárias.
Marco regulatório pode impulsionar vendas
A Câmara dos Deputados aprovou no dia 18 de agosto o projeto de lei 5829/19, de autoria do deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), que regulamenta a geração distribuída no país. Para a Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar) e os bancos, a medida ajudará a impulsionar ainda mais esse mercado.
“O novo texto garante segurança jurídica aos mais de 700 mil consumidores pioneiros que já possuem o sistema de geração própria instalado, para os quais as regras atuais serão mantidas até o final de 2045.
Também entrarão nessas mesmas condições os novos pedidos feitos até 12 meses da publicação da lei, trazendo estabilidade ao mercado”, disse a Absolar por meio de nota.
Foi criada uma regra gradual de transição que estabelece um custeio da infraestrutura elétrica quando o consumidor com geração própria injetar eletricidade na rede de distribuição.
Crise hídrica: Falta de chuvas leva cidades de ao menos cinco estados a decretarem racionamento de água
Esses geradores pagarão, sobre os custos de operação e distribuição, 15% em 2023, 30% em 2024, 45% em 2025, 60% em 2026, 75% em 2017 e 90% em 2028.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ainda vai definir as regras que valerão a partir de 2029.
Sudá de Andrade Neto, especialista em Energia e Sustentabilidade da Firjan Senai, explica que o mercado de energia solar ainda não tinha uma lei que regulamentasse a geração distribuída, apenas uma resolução da Aneel.
— O texto agradou aos dois lados. As concessionárias entenderam que finalmente serão recompensadas pelo serviço de distribuição que vinham prestando e as empresas comemoraram por ganharem mais segurança jurídica — avalia Neto, que acredita que haverá um boom de contratações nos 12 meses seguintes à promulgação da lei, em que os consumidores ainda estarão sujeitos às regras antigas.
No Nordeste, equipamentos de energia solar vendem igual 'pamonha' - O Globo
Read More
No comments:
Post a Comment