A corrida por entregas rápidas tem provocado uma revolução na logística de transporte, sobretudo no chamado last mile – última etapa no processo de transporte de uma mercadoria até o consumidor. Com o crescimento das vendas online e as mudanças internas dentro das companhias, com redução de estoques, as empresas de transporte e logística tiveram de investir forte em tecnologia e num cardápio variado de alternativas para chegar até o cliente.
Se no passado uma mercadoria demorava semanas para chegar, hoje pode levar apenas algumas horas, dependendo da localidade. Para isso, vale usar o veículo que for mais rápido, seja caminhão, carro, moto, bicicleta ou a pé. Na maioria dos casos, as companhias usam frota terceirizada numa espécie de “uber de cargas”. As ofertas são colocadas em um aplicativo e o motorista cadastrado aceita ou não as rotas estabelecidas, como ocorre na Loggi e na ASAP.
O investimento em tecnologia é essencial para conseguir traçar rotas com cargas consolidadas por regiões e áreas. É isso que ajuda na velocidade do serviço, levando em conta que são milhares de entregas por dia. Só no comércio eletrônico, foram 78,5 milhões de compras entre janeiro e março deste ano – crescimento de 57,4% comparado com igual período do ano passado. No Dia dos Namorados, foram 14 milhões de pedidos, segundo dados da Neotrust – empresa de inteligência de mercado focada em e-commerce.
Diante desses números crescentes, as empresas tiveram de correr para adotar medidas e atender a demanda. “As inovações foram apressadas pela pandemia, que pegou muitas transportadoras no contrapé. Até então, só 2% das empresas falavam em digitalização, o que é primordial para atender a última milha, que exige respostas rápidas”, afirma Antonio Wrobleski, presidente do conselho da Pathfind, uma espécie de Waze que otimiza rotas e permite a gestão de frotas de caminhões.
Para quem já tinha a inovação no DNA, a pandemia gerou uma série de oportunidades. Na Loggi, empresa que nasceu com a proposta de criar a logística do futuro, o volume de entregas cresceu 360% em 2020 comparado ao período anterior. O vice-presidente de Operações da companhia, Rafael Mandelbaum, afirma que fazer esse last miles exige alta tecnologia para criar um modelo de rota inteligente. Na média, o prazo de entrega da companhia é de dois dias, mas em vários locais consegue entregar no mesmo dia.
O executivo conta que hoje a empresa opera com quase 100% de frota terceirizada. Os entregadores são microempreendedores individuais e cada um usa o modal que preferir. “Em locais para restrição de carros, os motoristas escolhem um ponto para estacionar e fazem as entregas a pé.”
Van escolar
Na ASAP Log, empresa comprada em 2020 pela Via, até motorista de Uber presta serviço para a empresa, que trabalha com frota própria e terceirizada. A companhia tem dez vans elétricas alugadas e faz teste com oito motos com carreta acoplada. Mas, segundo o sócio da empresa, Rafael Mendes, a maioria das entregas é feita por profissional autônomo.
Na Black Friday do ano passado, conta ele, as entregas foram feitas até por vans escolares, que na época estavam ociosas por causa das aulas online. Criada há oito anos, a ASAP atende, além da Via, clientes como as redes de varejo Riachuelo, Eudora e Casa e Vídeo. Ela opera em 500 municípios do País e tem 380 mil entregadores cadastrados. Em agosto, o volume de entregas foi de 419 mil – 47% maior que em julho. Na média, são 17,4 mil entregas por dia.
O presidente da JSL, Ramon Alcaraz, diz que o impacto da pandemia no setor foi “gigante”. Pessoas que não eram adeptas ao comércio eletrônico experimentaram e gostaram do universo online, diz ele. “E isso mudou a forma de fazer logística no País, e também trouxe um desafio enorme, que é entregar uma mercadoria de forma rápida, mas num custo baixo.” Diante do tamanho do desafio, a JSL comprou a Fadel – especializada em distribuição urbana – no segundo semestre de 2020, resultado de uma negociação que começou antes da pandemia.
Atualmente, a empresa atende a cerca de 70 mil pedidos por dia, entre empresas e consumidores pessoa física. Na última milha, a companhia trabalha com parceiros para fazer as entregas. Em alguns casos, usam bicicletas e motos, mas como o volume é grande – de cerca de 150 a 200 pedidos por entregador – é preciso ser carro ou van.
Tradição
Na Jamef, empresa que está há 58 anos no mercado, há estudos para uso de bicicletas e carros elétricos nas entregas – medida que resolveria questões de ESG (práticas ambientais, sociais e de governança) da transportadora. Especialista em carga fracionada, a companhia acaba de expandir suas entregas por rodovias para cinco Estados: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Piauí, Maranhão e Tocantins – regiões que até então eram atendidas apenas pelo modal aéreo.
Com o avanço da demanda na última milha, a empresa criou o programa de motorista empreendedor, em que o profissional aluga um carro com a locadora e passa a prestar serviço para a Jamef. A ideia é ter 200 veículos no País inteiro, diz o presidente da empresa, Ricardo Botelho. “A iniciativa vai melhorar nossa capacidade da entrega na porta do consumidor.”
No ano passado, a empresa cresceu 15%, e deve manter o ritmo em 2021. Além do e-commerce, ele explica que as mudanças na frequência de abastecimento de lojas e centros de distribuição, que diminuíram seus estoques, também têm acelerado o crescimento do segmento. “A mudança começou com a necessidade de fluxo de caixa das empresas durante o isolamento social e acabou gerando mais eficiência logística.”
Teste de entregas com drones
A gigante alemã DHL já fez até teste com drones para tentar acelerar suas entregas, cujo prazo hoje varia de um a dois dias. Mas, por ora, o meio de transporte ainda não se mostrou viável economicamente, diz o vice-presidente de Transportes da DHL Supply Chain, Fábio Miquelin. Segundo ele, a empresa está sempre atenta às novidades do mercado que podem trazer benefícios à operação.
Mas é o investimento em sistemas, veículos e armazéns que tem tornado o trabalho da empresa cada vez mais eficiente. “Entendemos a necessidade de consumo das pessoas e nos posicionamos perto delas. Hoje a empresa tem armazéns em todos os Estados do País, o que acelera as entregas diárias.”
Ao contrário da maioria das companhias do setor, a DHL trabalha com carros próprios. São mais de cinco mil veículos em todo o Brasil. O foco da empresa agora é tentar tornar essa frota mais limpa. O projeto começou com 100 veículos elétricos para cargas de até 2 toneladas. Até o ano que vem a expectativa é dobrar o número de carros. “Mas o País não incentiva a descarbonização”, diz Miquelin.
Outra que está investindo para abocanhar uma parte do mercado de last miles é a Braspress. A empresa comprou 170 caminhões médios para sustentar esse crescimento do mercado, diz o diretor de Operações, Luiz Carlos Lopes. Com 75% de frota própria, a transportadora também trabalha com alguns parceiros espalhados pelo Brasil. Hoje as vendas de e-commerce representam 12% das entregas da companhia.
Setor de logística tem até ‘uber de cargas’ para chegar mais rápido ao cliente - Economia & Negócios Estadão
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