RIO — A Bolsa acumulou queda de 7,28% nesta semana em meio às ameaças ao teto de gastos e a deterioração do cenário fiscal do país. O Ibovespa, principal índice de ações brasileiro, chegou a atingir a mínima de 102.896 pontos nesta sexta-feira, mas recuperou parte das perdas no fim do dia, encerrando o pregão em queda de 1,34%, aos 106.296 pontos.
Essa foi a pior semana para a Bolsa brasileira desde março de 2020, no início da pandemia de Covid-19 no país. Com a queda, as empresas que compõem o Ibovespa acumularam perdas de R$ 350,5 bilhões em valor de mercado nesta semana.
Após atingir o patamar de R$ 5,75 ante o real nesta sexta-feira, o dólar comercial também desacelerou durante a tarde em meio ao pronunciamento do ministro Paulo Guedes ao lado do presidente Jair Bolsonaro e encerrou o dia em queda de 0,62%, cotado a R$ 5,6302.
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O ambiente de negócios no Brasil vem se desgastando desde a última terça-feira, quando o governo anunciou o seu novo programa Auxílio Brasil, que substituirá o Bolsa Família, e terá o valor mínimo de R$ 400. Hoje, o benefício é pago em três valores: R$ 150, R$ 250 e R$ 375.
Sem espaço no Orçamento, o ministro da Economia vem tentando encontrar formas de manobrar o teto de gastos para fazer caber esse gasto extra sem interferir nas emendas parlamentares.
O comunicado de Guedes nesta sexta-feira foi na linha de tranquilizar o mercado quanto à responsabilidade fiscal do governo e, ao mesmo tempo, garantir o Auxílio Brasil de R$ 400.
— O mercado se acalmou um pouco com as declarações do Paulo Guedes. O ponto principal é que aumentos dos gastos não será ilimitado, provavelmente não vai passar dos R$ 400. O maior medo seria de começar deste jeito e ir gastando cada vez mais — explica Bruno Komura, da equipe de análise da Ouro Preto Investimentos.
Durante a manhã e início da tarde, o ambiente estava contaminado ainda com a debandada da equipe econômica anunciada na quinta-feira, após o fechamento do mercado, e foi intensificado com os rumores sobre a saída de Guedes do governo.
Para Alison Correia, CEO da Top Gain, startup de análises e educação finaneira, o anúncio do ministro de que permaneceria no governo também contribuiu para tranquilizar os investidores.
— Paulo Guedes sempre foi a grande crença da boa gestão, da política liberal. A partir do momento em que esse pilar começa a ser enfraquecido, naturalmente o mercado sente muito na pele e acaba castigando os preços da Bolsa e do dólar.
O economista e ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman aponta que existe também uma espécie de crença na alta de preços que acaba fazendo com que as ações e o real, de fato, subam.
— Os investidores preveem que outros investidores vão acreditar no discurso do governo e aí compram as ações, e com isso os preços acabam subindo.
Dólar sobe 3,25% na semana
O dólar comercial, que tinha um avanço de quase 4% até quinta-feira, encerrou a semana com valorização de 3,25%, depois de recuar nesta sexta-feira.
A valorização do dólar ocorre porque o desrespeito ao teto de gastos é lido pelos investidores como um descompromisso com as contas públicas.
Isso aumenta a percepção de risco, provocando a saída de dólares do Brasil para outros mercados e ativos considerados mais seguros.
O câmbio mais forte aumenta a pressão sobre a inflação e faz mais à frente com que as taxas básicas de juros tenham seu ritmo de elevação intensificados para conter a alta dos preços.
Mais juros prejudica o desempenho econômico de forma geral, tanto pelo lado dos consumidores quanto das empresas, que terão que pagar mais para obter financiamento.
Sem falar em um concorrência mais atrativa com os ativos de renda fixa, principalmente, para aqueles investidores que procuram fugira da volatilidade de curto e médio prazo da Bolsa.
—Acredito que estamos em um momento binário. O mercado ainda está testando. Ou o dólar vai degringolar e chegar aos R$ 6 mesmo ou se o governo conseguir passar algum tipo de mensagem que o mercado aceite, a moeda pode recuar um pouco e voltar para um patamar mais civilizado — destaca Bergallo.
Juros futuros sobem
Os juros futuros voltaram a subir, com alta maior nas curvas de curvo prazo, indicando uma deterioração da confiança dos investidores. No caso das curvas longas, houve desaceleração das altas após a confirmação da permanência de Guedes no cargo.
No fim da sessão regular, o contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2022 subia de 7,88% para 8,07%. A taxa DI para janeiro de 2023 passava de 10,49% para 10,84%.
O juro do DI para janeiro de 2025 subia de 11,50% para 11,59%, enquanto o contrato para janeiro de 2027 avançava de 11,80% para 11,85%.
Quebra da confiança
Para o diretor da FB Capital, Fernando Bergallo, o movimento de queda forte no início do pregão foi um reflexo da saída dos membros da equipe econômica. O fato serviu para piorar a crise de confiança existente no mercado em relação a capacidade do governo de respeitar o arcabouço fiscal.
— Piorou a sensação de risco-país e foi um componente a mais, além daqueles que nós tinhamos até o final do pregão. Você rompeu a confiança. E quando você perde, demora muito tempo para recuperar. Se, faltando um ano para a eleição, já existe essa sinalização que não há compromisso com o controle de gastos, é difícil acreditar que, no ano que vem, isso não vai ser pior.
Bergallo acredita que com os acontecimentos da semana, o mercado já passa por um momento de reprecificação dos ativos e das metas de crescimento e de inflação para o próximo ano, o que pode ser visto pela pressão nas curvas de juros futuras.
— O mercado só está começando a digerir o que aconteceu. Se a percepção de risco estourar, isso degringola ainda mais.
Aberta a temporada de balanços
Começou nesta sexta-feira a temporada de divulgação dos balanços das empresas do terceiro trimestre de 2021. Apesar do cenário macroeconômico desfavorável, analistas do mercado acreditam que o desempenho das companhias brasileiras continuará sólido.
"Domesticamente, incertezas quanto à trajetória fiscal e manutenção (ou não) do teto de gastos, pressões inflacionárias levando a taxas de juros mais alta, preocupações com uma crise hídrica, projeções menores para o crescimento em 2022, e o aumento de tensões políticas pressionaram os ativos brasileiros", destacou a XP em relatório divulgado nesta manhã.
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No cenário externo, a XP ressalta que a retirada de estímulos monetários pelo banco central americano (o Federal Reserve), preocupações com uma possível crise imobiliária na China e uma crise energética global vêm afetando os mercados pelo mundo.
"Com a piora no Macro cenário doméstico e queda nos preços de algumas commodities, como o minério de ferro, as projeções de lucros para daqui a 12 meses, 2022 e 2023, começaram a estagnar e cair marginalmente. Ainda assim, o mercado espera um crescimento sólido nos resultados das empresas nesse terceiro trimestre de 2021", aponta o relatório.
Debandada e nova regra para o teto
Ainda na noite de quinta-feira, a Comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou a PEC que altera a sistemática de pagamentos de precatórios.
Para atender a pressão do governo e do Congresso por mais recursos, o relator incluiu no parecer um trecho que altera a fórmula de correção da regra fiscal do teto de gastos.
Hoje, o teto é corrigido pela inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior.
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Com as alterações, os números serão recalculados com base no índice de preços entre janeiro e dezembro. É dessa forma como são corrigidas as maiores despesas do Orçamento, como os gastos com salários e aposentadorias.
Isso abre um espaço de R$ 39 bilhões em 2022. O montante deve ser utilizado para pagar o Auxílio Brasil, programa que substituirá o Bolsa Família.
O novo programa será corrigido pela inflação e terá piso de R$ 400, entre dezembro desde ano e dezembro de 2022.
Além do programa, as mudanças também abrem espaço para despesas com emendas parlamentares e outros gastos.
Juntas as duas mudanças — adiamento de quitação de precatórios e o novo cálculo para o teto de gastos — abrem espaço de R$ 83 bilhões no Orçamento de 2022.
Vale ajuda o Ibovespa
Entre as ações, as ordinárias da Petrobras (PETR3, com direito a voto) cederam 1,97% e as preferenciais (PETR4, sem direito a voto), 0,98%.
Em um dia positivo para o preço do minerio de ferro negociado na China, as ordinárias da Vale (VALE3) subiram 1,22%.
No setor financeiro, as preferenciais do Itaú (ITUB4) e do Bradesco (BBDC4) tiveram quedas de 3,84% e 3,76%, respectivamente.
Nas maiores altas, destaque para empresas do setor de papel e celulose, que se beneficiam de um dólar mais alto.
As ordinárias da Suzano (SUZB3) tiveram alta de 7,32% e as units da Klabin (KLBN11), 7,56%.
Evergrande paga credores e ações sobem
As bolsas americanas operaram com sinais mistos. O índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, fechou em alta de 0,21%, enquanto S&P 500 e Nasdaq fecharam em quedas de 0,11% e 0,82%.
Na Europa, as bolsas fecharam no positivo. A Bolsa de Londres subiu 0,20% e a de Frankfurt, 0,46%. A Bolsa de Paris avançou 0,71%.
As bolsas asiáticas fecharam com direções contrárias. O índice Nikkei, da Bolsa de Tóquio, subiu 0,34%. Em Hong Kong, houve alta de 0,42% e na China, queda de 0,34%.
As ações da Evergrande apresentaram recuperação diante do tombo da véspera, ao subirem 4,26% na Bolsa de Hong Kong.
A empresa pagou um cupom de dívida no valor de US$ 83,5 milhões aos detentores de títulos internacionais antes do prazo final de vencimento no sábado, evitando um calote formal.
A notícia trouxe alívio para investidores e reguladores preocupados com uma repercussão mais ampla de um calote nos mercados financeiros globais.
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