RIO — Ir ao escritório quantas vezes por semana? Como se comportar numa reunião? Abraça os que estão presentes e se relaciona como com os que permanecem na tela? A volta aos escritórios com o avanço da vacinação no país é cercada de dúvidas e experimentação nas empresas, que testam o modelo híbrido, com parte das equipes em casa.
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Diante de uma mudança sem precedentes, pesquisas mostram que a maioria das companhias ainda não sabe qual regime de trabalho vai adotar no pós-pandemia, mas as que já definiram reforçam a tendência de manutenção da flexibilidade.
O quebra-cabeça de uns vira oportunidade de negócios para outros. As adaptações no mundo corporativo abrem mercado para fornecedores de serviços e de tecnologia para reorganizar espaços e benefícios, de aplicativos para reservar mesas a crédito para delivery de comida no lugar do vale-refeição ou plano de estacionamento para quem não tira mais o carro da garagem todos os dias da semana.
Uma pesquisa do Great Place to Work (GPTW) com 2 mil empresas de diferentes portes e setores no país revela que 40% ainda não definiram como será o novo regime de trabalho nos escritórios. Apenas 30% já estabeleceram uma política pós-pandemia, e, destas, 77,7% adotaram o híbrido.
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'Revolução no mercado de trabalho'
Levantamento da consultoria KPMG evidencia as incertezas: mais da metade das empresas ouvidas volta aos escritórios, que estavam vazios há mais de um ano, neste segundo semestre, mas 40% deixaram isso para a primeira metade de 2022.
— Essa revolução no mercado de trabalho vinha sendo delineada e se acelerou na pandemia. Estamos vivendo o que aconteceria em 2030 — diz Fernanda Mayol, sócia da consultoria McKinsey no Rio.
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Com a sede brasileira em São Paulo, a Microsoft é uma das companhias que ainda não definiu a data da volta ao escritório, que será híbrido, mas atua na outra ponta, suprindo empresas com as novas ferramentas que desenvolveu para ajudá-las no desafio de integrar equipes presenciais e on-line sem perder produtividade.
Além do aperfeiçoamento da plataforma de videoconferências Teams, que saltou de 45 milhões para 250 milhões de usuários na pandemia, o diretor de Trabalho Moderno e Segurança da companhia, Ricardo Wagner, destaca o Viva, um sistema integrado com funções como intranet, cursos e insights que mostram, por exemplo, quando a jornada do trabalho remoto está muito alta.
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Outra empresa de ramo bem diferente que percebeu as novas demandas foi a rede de estacionamentos Estapar, que criou planos flexíveis.
— O cliente estava utilizando o nosso sistema apenas dois ou três dias por semana. Não fazia sentido ter o plano mensal. Criamos planos de 15, 12 e 8 dias (por mês) e a aceitação foi bem interessante — diz o CEO da Estapar, André Iasi, que prevê que 80% dos mais de 600 estacionamentos pelo país passem a contar com a modalidade até o fim do ano.
Benefícios sob medida
Já a start-up Escala criou um aplicativo que permite aos empregados reservar posições de trabalho antes de ir ao escritório e faz o acompanhamento da taxa de ocupação das salas.
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Isso porque muitas empresas grandes aboliram as mesas fixas e criaram estações rotativas já que a cada dia um grupo diferente de funcionários está no presencial.
A start-up já tem cerca de 30 clientes— de grandes empresas do setor de saúde a escritórios de advocacia e financeiras — e espera chegar a 300 no ano que vem, diz o CEO Vinicius Lima.
A Coca-Cola Brasil planeja a retomada dos escritórios do Rio e de São Paulo no modelo híbrido, a partir de dezembro. Os espaços funcionarão mediante agendamento por aplicativo para os 400 funcionários, e a volta será “não obrigatória” e “voluntária”.
— É um piloto. Vamos experimentar e mudar rapidamente se necessário. Este não é o design final e devemos estar abertos a novas possibilidades. Queremos que as pessoas se sintam à vontade para experimentar. Posteriormente, faremos acordos com nossas equipes, alinharemos expectativas e detalharemos o modelo, pensaremos melhor sobre novas adaptações ao espaço do escritório — diz Simone Grossman, gerente de RH para Brasil e Cone Sul na Coca-Cola América Latina.
Além das ferramentas que facilitam a integração entre os profissionais em casa e no escritório, o modelo híbrido tem demandado uma repaginação dos benefícios oferecidos aos funcionários pelas empresas. A pesquisa do GPTW mostra que 26% já alteraram itens como vale-transporte e vale-refeição, e 14% estão revisando.
— Vemos uma tendência da flexibilização de benefícios acompanhar a do trabalho — diz Daniela Diniz, diretora de Conteúdo e Relações Institucionais do GPTW.
A HRtech (como são chamadas as start-ups de serviços de recursos humanos) Flash viu o reflexo das mudanças em seu caixa: no terceiro trimestre deste ano, vendeu mais cartões de benefícios flexíveis do que em todo 2020.
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O diretor executivo Rafael Maia diz que recentemente foram incluídos pedágio e estacionamento na cesta do cartão, que reúne créditos que o trabalhador pode escolher como gastar.
O uso com aplicativos de entrega de comida e de transporte cresceu, com muitos evitando restaurantes e transporte público no dia de ir ao escritório. Cliente da Flash, o banco digital Neon incluiu essas duas opções para seus funcionários. Em transição, o banco permite ainda o uso com combustível, estacionamento, patinete, academia e até massagem. Em breve, aluguel de carro.
— Voltando ao escritório foram aparecendo demandas diferentes — diz Adriana Ueno, à frente do RH do Neon.
Guia e pulseira para ressocialização
Especialistas em RH frisam que cada empresa tem sua necessidade. Algumas já se decidiram pelo modelo híbrido, mas outras ainda estão fazendo testes, abrindo as portas neste momento para os voluntários.
Na Microsoft, a gerente de produto Nayana Amorim, de 33 anos, foi uma das que decidiu se revezar entre a casa e o escritório, em São Paulo. Ela reserva a mesa antes de sair, mostra comprovante de vacina na entrada e preenche um questionário sobre saúde. Apesar de certa estranheza, está gostando da nova rotina:
— Até o trânsito estou curtindo, muito tempo sem.
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Nos reencontros surgem dúvidas sobre convivência. Para ajudar os funcionários, a alemã de produtos químicos Basf criou um guia para auxiliar as reuniões híbridas. Entre as dicas, não dar as costas para a câmera e evitar escrever na lousa para não impedir que os trabalhadores remotos vejam tudo.
Outra mudança foi ajustar benefícios de alimentação e refeição de forma proporcional aos dias em casa e na empresa.
Já na farmacêutica MSD Brasil, cuja volta híbrida será definitiva em 2022, uma reforma estabeleceu distanciamento entre as mesas e muita sinalização. Até mesmo nos braços dos empregados. Eles usam pulseiras para facilitar a ressocialização. Quem está com a vermelha não quer nenhum tipo de toque. A amarela indica que a pessoa se sente à vontade com um aperto de mão.
Nos três escritórios da multinacional Mondelez, dona de marcas como Lacta e Trident, em São Paulo, Curitiba e Recife, 70% do espaço são áreas de colaboração e 30% de mesões com estações de trabalho, invertendo a lógica anterior.
— Vimos que 80% dos funcionários se veem voltando ao escritório não para responder e-mail, mas para se conectar com os outros e ampliar o networking (relacionamento) — diz Betina Cobellini, diretora de RH da Mondelez.
Atenção à legislação
Para Paulo Sardinha, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), tamanha mudança nas relações de trabalho vai exigir que as empresas tenham atenção à legislação, assim como revejam suas políticas de ética e a formação das lideranças, diz Sardinha:
— Hoje quando falamos em política de ética, falamos em políticas que olham para uma relação de trabalho que acontece nas quatro paredes da empresa. O que é ser ético no mundo híbrido? Vamos ter que reabrir a discussão. Além disso, as lideranças vão ter seus paradigmas mudados, o que vai exigir mais atitude e pensamento. Vamos ter que pensar numa formação diferente. Como as empresas vão alcançar o resultado que elas esperam?
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