O banco central dos Estados Unidos anunciou uma mudança drástica de rumo que coloca fim a um longo período de estímulos ao crescimento econômico do país, com repercussões mundiais, após quase dois anos de esforços extraordinários para cuidar da economia em meio às consequências da pandemia.
A instituição encerrará em março o programa de compras de títulos em curso desde o início da crise sanitária, abrindo caminho para três aumentos de 0,25 ponto percentual cada nas taxas de juros até o fim de 2022, de forma a acabar com as políticas implementadas no período.
Em seu pronunciamento desta quarta-feira (15) sobre a condução da política monetária, o Federal Reserve avaliou que a pandemia deixou como legado uma escalada inflacionária que precisa ser combatida com mais força, em um cenário em que a vacinação mundial avança e os países estão aprendendo a conviver com o coronavírus.
Ao final de uma reunião de dois dias, o Comitê Federal do Mercado Aberto do Fed, equivalente ao Copom (Comitê de Política Monetária) no Brasil, manteve sua taxa básica de juros no piso de 0 a 0,25% ao ano, mas disse prever três altas para o ano que vem. Também foram projetados mais três aumentos para 2023, seguidos de dois em 2024.
As projeções dos integrantes do Fed mostram que a taxa de juros de referência seria elevada para 0,90% até o fim de 2022, 1,6% em 2023 e 2,1% em 2024 --aproximando-se, mas nunca ficando além de níveis que consideraria restritivos à atividade econômica.
"A economia não precisa mais de quantidades crescentes de apoio da política monetária", disse o presidente do Fed, Jerome Powell, após a reunião. "Em minha opinião, estamos fazendo rápido progresso em direção ao pleno emprego."
O momento do primeiro aumento de juros em 2022, disse o banco central, dependerá de alguma melhora adicional no mercado de trabalho.
O Fed afirmou que a nova variante do coronavírus, a Ômicron, aumenta a incerteza sobre o curso da economia e que não está claro qual será o seu efeito na inflação, no crescimento ou nas contratações. Mas Powell disse que as pessoas estão "aprendendo a conviver" com cada onda do vírus.
Uma das maiores ameaças que podem impedir o retorno a um mercado de trabalho pré-pandêmico é a elevada inflação, disse Powell, porque vai "levar algum tempo" para a economia se curar totalmente.
"O que precisamos é de outra longa expansão", disse ele. "Isso é o que realmente seria necessário para voltar ao tipo de mercado de trabalho que gostaríamos de ver e, para que isso aconteça, precisamos ter certeza de manter a estabilidade de preços."
Powell disse não ver um fim para a pandemia de Covid-19 no curto prazo, o que torna difícil para o Fed avaliar o que constituiria um mercado de trabalho normal em tal ambiente.
A instituição atualizou suas projeções econômicas, aumentando a previsão de inflação --que hoje está em 4,1%-- e baixando a estimativa para a taxa de desemprego. O Fed prevê que a inflação básica aumentará para 4,4% neste ano, antes de cair para 2,6% em 2022, com a taxa de desemprego terminando 2021 em 4,3% e no próximo ano caindo para 3,5%.
As autoridades do Fed reduziram suas previsões de crescimento econômico, mas ainda preveem uma expansão saudável este ano e no próximo. A economia dos EUA deverá crescer 5,5% em 2021, comparada com 5,9% em setembro, e mais 4% em 2022.
As previsões de taxas de juros maiores foram divulgadas juntamente com um plano para duplicar o ritmo com que o Fed retira ou "modera" o enorme programa de compra de títulos que implementou no início da pandemia. Em janeiro ele começará a cortar as compras em US$ 30 bilhões (R$ 171,3 bilhões) por mês, para que o estímulo seja removido vários meses antes do que se esperava inicialmente.
Marcos Mollica, gestor do Opportunity Total, afirmou que os juros devem subir a partir de maio ou junho e que a aproximação da alta vai aumentar a volatilidade nos mercados, especialmente, no mercado de ações e nas economias emergentes.
"No comunicado, o Fed removeu a linguagem suave em relação à inflação. Agora, a indicação é que o objetivo de inflação já foi atingido e só restaria completar a meta de emprego para começar a subir juros. Com desemprego em 4,2%, este objetivo está também muito próximo de ser atingido."
João Beck, economista e sócio da BRA, escritório credenciado da XP Investimentos, afirma que o comunicado adotou o tom duro já esperado, mas que a sinalização de que o país está conseguindo andar com as próprias pernas, sem tantos pacotes de estímulos, é positiva.
"Lógico que isso ainda dependerá de dados da atividade nos trimestres seguintes. Mas se forem positivos, significa um crescimento sem ser artificial e sem as muitas distorções causadas por tantos pacotes de estímulo."
Ao comentar mais cedo a expectativa para a decisão do Fed, Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco, afirmou que os Estados Unidos estão subindo os juros em um ano em magnitude menor do que o Copom sobe em uma única reunião.
"O diferencial de juros entre o real e o dólar vai ser suficiente para favorecer a estabilidade da taxa de câmbio [em 2022]. Ou seja, não acho que o Copom vai precisar continuar subindo a taxa de juros depois de março do ano que vem por causa do Fed. Talvez tenha de continuar por conta de pressões inflacionárias."
BC dos EUA prevê subir juros três vezes em 2022 em virada agressiva contra inflação - Folha
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