Desde o começo deste mês, a Embraer deu um salto no mercado financeiro, com seus papéis subindo 15,7%. O movimento começou quando a empresa anunciou ter fechado um pedido para entregar, para uma companhia dos Estados Unidos e da Europa, 200 unidades de seu veículo elétrico de pouso e decolagem vertical (ou eVTOL, na sigla em inglês, como é chamado o “carro voador” no mercado aéreo). Seis dias depois, a Embraer comunicou a encomenda de mais 50 unidades do produto e, na quinta-feira, 10, informou estar negociando com a americana Zanite uma combinação de negócios visando à capitalização da Eve, sua subsidiária que desenvolve a aeronave.
A Embraer divulga poucas informações sobre seu eVTOL, mas, segundo o presidente da empresa na época em que o projeto foi criado, Paulo Cesar de Souza e Silva, o desenvolvimento do novo veículo deve custar cerca de US$ 300 milhões. Na avaliação do executivo, a companhia teria dificuldades para arcar sozinha com esse montante, dado que sofre com a queda de pedidos de aviões por conta da crise da covid, além de estar se recuperando do fracassado acordo de venda de sua unidade comercial para a Boeing. “Hoje, a Embraer não tem recursos para fazer investimentos por conta própria como tinha no passado”, destaca.
Silva, que atualmente é conselheiro da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), afirma acreditar que o “carro voador” possa começar a operar entre 2025 e 2026, mas enfrentará desafios importantes até lá. Um dos maiores entraves será conseguir remunerar todos os envolvidos em sua cadeia, desde fabricantes da aeronave até os donos do imóvel onde o eVTOL pousará. Para isso ser possível, diz ele, é fundamental que o veículo funcione de forma autônoma, sem piloto - que encarece a operação.
A intenção do setor é que o “carro voador” seja um meio de transporte popular e bastante demandado. Segundo Silva, para cumprir com esse objetivo, o veículo não poderá custar mais de US$ 600 mil.
O executivo diz ainda que a Embraer está preparada para ser uma das principais empresas desse mercado futuro. Isso porque as startups que trabalham em projetos semelhantes deverão ter dificuldade para certificar suas aeronaves e as gigantes Boeing e Airbus não estão, por enquanto, dando prioridade ao produto. A seguir, trechos da entrevista.
A Embraer teria condições de desenvolver um eVTOL sozinha?
Até dois anos atrás, teria. Agora ela está com um caixa mais apertado. O endividamento é razoavelmente elevado, US$ 4,4 bilhões, e a geração de caixa, bastante baixa. O caixa total (US$ 2,5 bilhões no primeiro trimestre) em si é relativamente bom, mas a dívida é alta. Sempre tivemos mais caixa do que dívida. Agora essa equação mudou. Dada essa pressão que a empresa está vivendo com poucas entregas por causa da covid, hoje ela não tem recursos para fazer investimentos por conta própria como tinha no passado. Precisa buscar um parceiro para enxertar capital no projeto. Essa empresa (Zanite, com quem a Embraer está negociando) levantou US$ 232 milhões no mercado. Teoricamente, esse dinheiro é para a parceria com a Eve.
Quanto custa o desenvolvimento do “carro voador”?
A partir de agora, o projeto deve gastar mais recursos. Essa será a fase mais pesada. Por enquanto, foi mais pesquisa e desenvolvimento.
Qual era o orçamento do projeto?
Era por fases. Quando criei o projeto, em 2017, destinamos inicialmente US$ 15 milhões para pesquisas. Depois, o valor ia crescendo. Mas a fase mais pesada ocorre quando se enxerga a possibilidade de o produto efetivamente ir em frente. Imagino que o total esteja na faixa de US$ 300 milhões.
É um valor baixo quando comparado ao de outros projetos do setor aéreo.
É uma aeronave mais leve. Facilita muito. O produto é mais simples, apesar de a tecnologia ser nova. Ser autônomo hoje também não é algo extraordinário. Essa tecnologia já existe. A questão de ser elétrico tem se desenvolvida bem. Várias empresas estão trabalhando nas baterias e isso não seria criado internamente, evidentemente.
Quando o projeto foi criado, havia a previsão de envolver parceiros?
Naquele momento, a gente enxergava parcerias no ecossistema. Mas a ideia era levar o eVTOL para uma empresa fora da Embraer e, posteriormente, fazer o IPO (abertura de capital na Bolsa) dessa nova companhia. Tanto que, para isso, criamos a Embraer X (subsidiária que concentra produtos inovadores e na qual surgiu o projeto do “carro voador”, que depois passou a ser o foco da Eve).
A Embraer fala em entregar as primeiras unidades do eVTOL em 2026. O Uber quer operar “carros voadores” já em 2023. Esses prazos são factíveis?
Acho possível uma operação comercial em 2025, 2026. Quando começamos o projeto, a operação comercial seria em 2025. O primeiro voo teste do protótipo estava planejado para 2021 em Dubai. Mas um ponto importante para mencionar é a movimentação dentro da FAA (Federal Aviation Administration, órgão americano que regula a aviação civil). O fato de a FAA estar trabalhando com afinco nesse projeto é um indicativo muito forte do interesse nele.
Quais os maiores desafios para o projeto do eVTOL se concretizar?
O ecossistema é um desafio. Você tem de encontrar os vertiports (como estão sendo chamados os locais de pouso de decolagem do veículo), que não podem ser em um prédio qualquer. Tem de ser em shopping center, por exemplo. Nesses vertiports, tem de ter toda a infraestrutura para carregar a bateria entre uma decolagem e outra. Mais para frente,os eVTOLs devem ser autônomos. Não vejo grandes complicações tecnológicas para isso, mas precisará haver uma aceitação dos consumidores. Um outro grande desafio é a parte econômica.Quem vai ganhar quanto. Vai precisar dividir com o fabricante, com o financiador, com o dono do imóvel do vertiport, com a assistência técnica, com a equipe de embarque e desembarque. Todos esses ‘players’ precisam ser remunerados. Não é tão fácil tornar acessível. O custo da máquina para que ela seja realmente eficiente é uma grande incógnita. Imagino que deveria ter um custo entre US$ 500 mil e US$ 600 mil, no máximo. Um dos grandes pontos contra o projeto neste momento é o piloto. O piloto tem um custo elevado. O modelo só fica razoavelmente eficiente quando o eVTOL é autônomo. Quando ele começar a voar, já deve ter a tecnologia autônoma. Mas não sei quanto tempo vai levar para eles realmente operarem sem piloto. Ser autônomo vai permitir uma disseminação mais ampla do veículo.
Centenas de eVTOLs estão sendo projetados no mundo todo. Quão preparada está a Embraer para essa corrida?
A Embraer está muito bem posicionada. Muitas dessas empresas que querem desenvolver não sabem o que é certificar uma aeronave. Uma coisa é fazer um drone um pouco mais pesado, para carregar uma caixa, por exemplo. Agora, fazer um veículo com gente dentro exige uma certificação muito mais complexa. Isso exige experiência. A Embraer também tem experiência profunda na aviação regional, que exige aviões que pousam e decolam com maior frequência. É isso que os eVTOLs vão fazer. O eVTOL tem de ter uma capacidade de despachar muito alta. A Embraer sabe fazer isso.
As startups podem enfrentar uma maior dificuldade para certificar, mas Boeing e Airbus, não. Essas duas também têm projetos de eVTOL.
A Boeing está em crise (em decorrência dos acidentes com o Boeing 737 MAX em 2018 e 2019, que mataram 246 pessoas). Pelo que saiba, não está indo muito a fundo nisso. A Airbus tem essa capacidade, mas parece que ela está mais interessada em penetrar no mercado de avião híbrido (com motor elétrico).
'O carro voador deve custar US$ 600 mil no máximo', diz ex-presidente da Embraer - Economia & Negócios Estadão
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