A Polícia Federal prendeu nesta segunda-feira, no Paraná, cinco pessoas ligadas ao Grupo Bitcoin Banco, com sede em Curitiba, incluindo o presidente da empresa, Cláudio Oliveira, o autointitulado “rei do bitcoin” – relembre o caso.
Além dele, foram presas outras quatro pessoas, incluindo sua esposa, um alto executivo do grupo e dois outros investigados que teriam colaborado com o esquema criminoso com ocultações de bens e fraudes judiciais.
Oliveira é acusado de promover fraudes por meio de plataformas de negociação de bitcoins e outras criptomoedas que podem ter causado danos de mais de R$ 1,5 bilhão a mais de 7 mil pessoas. O GBB estava em recuperação judicial desde o final de 2019 e tinha sido autorizado pela Justiça a retomar atividades como meio de ressarcir os clientes.
Segundo o empresário, que chegou a ser entrevistado e exaltado como “o rei do bitcoin” em programas de televisão, a empresa usava um robô para promover “arbitragens”.
Relembre o caso:
Ainda segundo os anúncios do grupo, agora acusado pela PF de ser uma organização criminosa, essas “arbitragens” permitiriam obter lucros a partir da compra e venda de bitcoins junto a diversas exchanges, comprando mais barato, vendendo mais caro e lucrando sobre o “spread” dessas milhões de operações realizadas por meio de algoritmos.
A operação da PF foi batizada de Daemon, em referência à mitologia grega sobre um ser sobrenatural trabalhando em plano de fundo, e também em referência a programas de computador que agem sem controle direto do usuário.
De acordo com o delegado responsável, Filipe Hille Pace, o empresário Cláudio Oliveira e o GBB promoveram durante mais de quatro anos um golpe no qual recebiam recursos de investidores para supostamente aplicar em bitcoin, com promessas de lucros exorbitantes.
Ainda segundo a autoridade policial, os acusados criaram um esquema no qual os investidores acreditavam estar investindo reais ou bitcoins. Mas esses clientes jamais chegaram a ter a posse dos bitcoins, e tanto os criptoativos quanto os rendimentos não eram de fato registrados ou movimentados na blockchain – a tecnologia que valida e registra as transações em bitcoins.
“Houve negociação de criptomoedas. Mas em determinado momento, o grupo criou um instrumento – e aqui faço uma analogia – semelhante a uma ‘blockchain privada’. O grupo tinha três exchanges, e as pessoas por meio desse instrumento criado pelo grupo, que não era a blockchain, faziam transferências de criptomoedas entre essas três corretoras, com diferença de preço, permitindo arbitragem. Seus investidores ganhavam, ou acreditavam estar ganhando, com o spread nessas operações”, explicou Pace.
Ele completou:
“O que hoje atrai tantos investidores, seja para fins lícitos ou infelizmente ilícitos, é que as informações da blockchain são descentralizadas. A blockchain, essa sim, garante a veracidade das transações. Mas verificamos que os saldos aplicados pelos investidores nunca foram para a blockchain, eles eram apenas refletidos no software da empresa. O cliente acessava aquela plataforma e era induzido a acreditar que possuía aquele saldo, incluindo o que foi investido e os lucros exorbitantes prometidos”, explicou Pace em coletiva de imprensa nesta segunda-feira.
Segundo o delegado, os acusados se valeram da complexidade da tecnologia para enganar a clientela e a Justiça – no curso da investigação, afirmou, a polícia verificou que Oliveira e o GBB apresentaram dados de uma carteira digital com 7.000 bitcoins (cerca de R$ 1,2 bilhão) para ludibriar a Justiça e fazer parecer que tinham os recursos necessários para ressarcir os clientes.
“O grupo se valeu das características novas das transações de criptomoedas, valendo-se ainda de certa inexperiência dos operadores de direito, além de empresários e clientes, e conseguiu iludir também o poder Judiciário, pois não era proprietário daquela carteira, não apresentou as chaves privadas”, explicou o delegado.
Essa manobra enganosa, segundo ele, resultou na suspensão de todas as ações cíveis que havia contra o grupo pelo país e “deu um fôlego aos acusados para continuarem não ressarcindo suas vítimas”.
Cláudio Oliveira, sócio do Grupo Bitcoin Banco, preso nesta segunda-feira (5/7) acusado de fraude — Foto: Guilherme Pupo/Valor
Crimes na Europa e nos EUA, e R$ 2,5 milhões apreendidos
Segundo a polícia, os acusados serão investigados agora pelas práticas dos crimes de estelionato, crime contra a economia popular, crimes falimentares, lavagem de dinheiro e outros delitos, e as prisões foram justificadas pela necessidade de interromper a evasão de recursos.
“Ao longo da recuperação judicial, o grupo passou a se desfazer de patrimônio, vendendo veículos por preço abaixo do praticado no mercado, desfazendo-se de joias, e valendo-se de laranjas para movimentar recursos à margem do poder Judiciário. Por esses fatos que não cessaram, dilapidação de patrimônio, ocultação de recursos, préstimo de informações falsas, é que foram decretadas as prisões hoje”, afirmou Pace.
Na operação, foram sequestrados e apreendidos diversos artigos e veículos de luxo, “principalmente bolsas, joias e relógios”, que, segundo o delegado, somam cerca de R$ 2,5 milhões “e serão leiloados para serem revertidos em favor das pessoas que foram lesadas pela organização”.
A PF informou ainda que Oliveira é investigado por fraudes contra o sistema financeiro em outros países, como Estados Unidos e Suíça – ele chegou a ser preso em Portugal por causa dessa acusação na Europa, mas, no curso da investigação, teria sido solto e retornado ao Brasil, onde começou o empreendimento do GBB em 2017.
Em seu currículo e em entrevistas, inclusive ao Valor Investe, Oliveira afirmava que tinha estudado e iniciado a carreira na Suíça. O Valor Investe não conseguiu contato com os acusados nem com representantes da empresa; a reportagem será atualizada assim que eles responderem.
Cuidados para o investidor
Como rotineiramente repetimos, todo investidor e investidora deve suspeitar de promessas de rendimentos exorbitantes; no caso do GBB, as promessas eram de rendimentos de mais de 1% ao dia.
Antes de investir em bitcoin e criptoativos, é essencial se informar para entender os pressupostos da nova tecnologia, que, não raro, é mencionada por fraudadores em esquemas que pouca ou nenhuma relação têm, de fato, com criptomoedas.
Além disso, outra recomendação essencial para investir no segmento – e que se aplica também às transações com exchanges de boa reputação – é sempre ter o cuidado de utilizar os serviços das empresas apenas para as transações, imediatamente transferindo os criptoativos para uma carteira digital própria. Quem deixa seus saldos em criptos "na empresa" não tem, de fato, a posse dos criptoativos.
Também é essencial diferenciar a blockchain das plataformas das empresas. É muito raro que o investidor e a investidora em criptoativos tenham, de fato, a custódia de seus ativos digitais ou saibam acessar a blockchain propriamente dita. Na maioria das vezes, a pessoa vê um saldo refletido em uma plataforma própria da empresa, ou seja, um número cuja única garantia é a reputação do prestador de serviço.
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'Rei do bitcoin' é preso pela PF suspeito de desviar R$ 1,5 bilhão em golpe - Valor Investe
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